Nem fogo nem enxurrada tiraram à aldeia de Amiosinho o seu pinheiro de Natal

Notícias de Coimbra | 7 anos atrás em 16-07-2017

O verde que salta mais à vista em Amiosinho, concelho de Góis, é o pinheiro onde Natália Domingos faz a árvore de Natal da aldeia, tradição que espera manter este ano, marcado por chamas e enxurradas.

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amiosinho

“Tudo o que restava do incêndio ficou destruído com a tempestade. Das hortas, o que tinha sobrado – porque muitas arderam -, a tempestade destruiu”, conta a moradora de Amiosinho à agência Lusa, junto ao pequeno pinheiro na curva da estrada que todos os anos enfeita.

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Três semanas depois do fogo que a 17 de junho varreu todas as encostas que rodeiam cerca de duas dezenas de casas, as chuvadas com granizo que afetaram a freguesia de Alvares provocaram uma enxurrada de lama, cinza e madeira ardida.

“Encheu tudo por aqui abaixo de lama, tudo era lama, parecia uma avalanche que vinha aí”, recorda, apontando para os quintais cobertos por uma camada espessa de terra escura e detritos.

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A freguesia de Alvares, com perto de 700 habitantes dispersos por cerca de 100 quilómetros quadrados, foi uma das mais atingidas no incêndio que durou uma semana e deu à população “momentos terríveis, como não era possível imaginar”, segundo o autarca Victor Duarte.

O presidente da junta de Alvares, que também é bombeiro, assinala que a floresta “é a principal riqueza da freguesia”, que perdeu “pelo menos 75%” da sua área florestal.

Apesar de ter havido aldeias em perigo, como Amiosinho, ninguém ficou ferido e só arderam casas agrícolas ou de segunda habitação.

A principal preocupação é “a viabilidade da freguesia nos próximos anos”. Por agora, ainda haverá “muita madeira para cortar”, mas daqui a um ano já se terá acabado.

E se o fogo já foi mau, “é caso para dizer que uma desgraça nunca vem só”, com a “cheia terrível, a tromba de água que arruinou o rio, arrastou cinzas, animais mortos, troncos de grande porte e veio mais uma vez ajudar a pôr em causa a economia local”, pelo efeito no rio e nas praias fluviais, destaca o autarca.

Nesse dia, Natália Domingos viu a vida andar para trás e pensou: “eu fujo daqui, vou-me embora, vou para a minha casa de Lisboa”.

“Mas foi a revolta a falar, porque não vou sair daqui, a tempestade não há de ser mais teimosa do que eu”, garante, afirmando que já começou a replantar a horta e a cortar árvores queimadas.

Viveu em Lisboa, trabalhou em seguros, teve um café e há cinco anos voltou às raízes, onde estava “muito feliz”, apesar de agora parecer tudo “muito triste”.

Combateu com o marido e os vizinhos as chamas – “sozinhos, só as pessoas da aldeia, com tanta coisa a arder ao mesmo tempo” -, numa aflição que a obrigou a pôr as cabras na sala de estar, porque o fogo ameaçava o sítio onde guarda os animais.

“Nós temo-nos ajudado uns aos outros como podemos. A maioria das pessoas está acima dos 80 anos, algumas já nem saem de casa e as que saem fazem trabalho com muita dificuldade”, indica.

Natália Domingos refere que as necessidades mais urgentes são agora tubos para reorientar a rega, material para reconstruir as vedações das hortas que restaram, que são agora pasto para veados e javalis e árvores para voltar a plantar.

Ainda não decidiu o que vai plantar, mas quer que sejam árvores “das nossas, que resistam” ao fogo.

Victor Duarte afirma que as lições a tirar “são sempre as mesmas” e a primeira recai sobre a “falta de organização” da floresta.

“O problema fulcral é a falta de população. As coisas desenvolvem-se de uma forma selvagem”, afirma o autarca, argumentando que não interessa que espécies se plantem: “Ou se aprende desta vez e se organiza a floresta ou então, daqui a dez anos, estamos a viver o mesmo drama, com consequências piores, porque vai haver menos população, mais idosos, menos agricultura”.

A meia hora de distância de Amiosinho, Francisco Prino prepara-se para fazer o mesmo caminho que o levou para fora da aldeia de Algares no dia em que o incêndio queimou tudo à volta, incluindo três casas de xisto antigas onde costumavam viver familiares seus.

“Foi horrível. O fogo veio até aos muros. Meti-me no carro e fui lá para cima para a serra, estive lá até às seis da manhã até que me deixaram passar outra vez e ver com isto estava”, conta.

Na aldeia de Algares, onde “antes era uma animação”, agora moram dez pessoas, que no dia do fogo não viram “nem um carro nem um bombeiro”.

Umas casas ao lado, Manuel Henriques também lamenta não ter visto “a cor de um carro de bombeiros”, apenas dois soldados da GNR que o quiseram levar e à mulher para um sítio mais seguro.

“Nós não quisemos, porque se a gente fosse embora era capaz de ser pior. Aguentei-me cá mais ela, com uma mangueira que ligámos ao chafariz e safámos isto”, afirma, fazendo as contas ao que que ardeu: “oliveiras, um bocado de milho, batatas, feijão e umas videirazitas”.

Francisco Prino, que divide o tempo entre Algares e Fátima, onde tem a sua casa principal, espera que “isto não se volte a repetir” na aldeia, onde, reconhece, “desde há uns 10 ou 15 anos anda tudo um bocadinho para o murcho”.

“As pessoas foram morrendo e eu qualquer dia também morro”, diz, a rir-se, antes de fazer vários quilómetros para ir beber a bica, desta vez sem medo de regressar e só encontrar cinzas. O que havia para arder, já ardeu.

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