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Faltam planos de intervenção para melhorar as condições de trabalho nos tribunais

Notícias de Coimbra | 2 anos atrás em 14-03-2022

Uma das principais conclusões do estudo do Observatório Permanente da Justiça (OPJ), do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC), recentemente apresentado, é de que a melhoria das condições de trabalho nos tribunais portugueses, e dos profissionais que aí trabalham (juízes/as, magistrados/as do Ministério Público e oficiais de justiça), depende da adoção de vários planos que considerem estes espaços como locais de trabalho, fazendo cumprir a diversa legislação em vigor.

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Esta investigação, que decorreu entre 2018 e 2022, realizada no âmbito do projeto QUALIS – Qualidade da Justiça em Portugal! Impacto das condições de trabalho no desempenho profissional das profissões judiciais, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, aponta para a necessidade de serem adotados planos já aplicados noutras instituições públicas e privadas, como o Plano de Segurança e Saúde no Trabalho ou o Plano de Igualdade de Género.

Com o objetivo de melhorar as condições de exercício profissional, realça igualmente a necessidade de elaborar e implementar um Plano de Intervenção no Edificado Judicial e um Plano de Requalificação Informática Judicial que procurem avaliar as necessidades de forma global, e não parcelar, como é reportado pelos resultados do inquérito aplicado aos profissionais judiciais e pelos conteúdos das entrevistas realizadas.

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Apesar da média geral da avaliação das condições de trabalho ser, de acordo com os/as inquiridos/as, de 3 valores (numa escala crescente de 1 a 5), mais de 50% referem que o volume, ritmo, tarefas e número de horas extraordinárias aumentou ou aumentou muito nos últimos 5 anos, começando a revelar valores preocupantes em termos de burnout. Em particular, dentro desta dimensão, a exaustão revela valores mais elevados (com maior incidência nas mulheres), com mais de um terço dos/as inquiridos/as a revelar ter uma qualidade de sono má ou muito má. Como reflexo, estes profissionais indicam que existe um impacto enorme do trabalho nas relações familiares, com consequências negativas na estabilidade profissional e pessoal (valor médio de 3,5, numa escala de 1 a 5).

Apesar de se registarem diferenças, consoante o local de trabalho ou a área jurídica onde exercem funções, os resultados mostram um agravamento da situação, havendo já profissionais a mostrarem níveis elevados de esgotamento profissional, observáveis pelo volume de baixas por doença registados nas 3 profissões estudadas. De assinalar igualmente os dados preocupantes relativos a discriminação profissional, assédio moral e assédio sexual, num local de trabalho como o tribunal, onde a aplicação da lei é fundamental. Por exemplo, 29,5% dos oficiais de justiça, 12,5% dos/as juízes/as e 8,4% dos/as magistrados/as do Ministério Público já experienciaram situações de assédio moral, sendo os valores para assédio sexual, respetivamente de 5,9%, 4,7% e 3,2%. Estes últimos valores, apesar de baixos, não deixam de denotar situações de gravidade elevada por serem resultado de situações vivenciadas, em profissionais que deviam ser muito ciosos do cumprimento da legalidade.

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Em 2019, de acordo com os Balanços Sociais divulgados pela Direção Geral da Administração da Justiça e do Conselho Superior da Magistratura, registaram-se 248.674 dias de absentismo nos oficiais de justiça (corresponde a 561 oficiais ausentes nesse ano, num total de 7.193 – 7,8%), enquanto nos/as juízes/as esses valores foram de 42.738 dias de absentismo (corresponde a 103 juízes/as ausentes nesse ano, num total de 1.471 – 7%). Ou seja, impõe-se adotar medidas que possam prevenir e detetar estas situações, atendendo às consequências negativas que produzem nas pessoas vítimas de doença, mas igualmente no funcionamento regular dos tribunais (com escassez de recursos humanos agravada) e pelo grande impacto financeiro nas contas públicas.
O QUALIS regista ainda uma diferença entre os valores registados no inquérito, onde prevalecem avaliações das diferentes dimensões consideradas, com valores médios, e as entrevistas, onde os conteúdos analisados apontam para uma avaliação qualitativa mais negativa das condições de trabalho, registando-se assim uma “naturalização” das más condições de trabalho, que acabam por ser rotinizadas e consideradas como “normais”.

A adoção dos planos acima referidos configura-se, portanto, de importância fundamental para a melhoria das condições de trabalho das profissões judiciais, circunstância fundamental para poderem prestar um serviço público de qualidade a todos/as os/as cidadãos/ãs. Para que isso seja possível, é necessário que os diversos órgãos competentes, do Ministério da Justiça, mas igualmente os vários Conselhos Superiores das magistraturas, possam adotar uma estratégia articulada para conseguir evitar a degradação das condições de trabalho na justiça, de modo a garantir uma justiça com qualidade.

O projeto QUALIS aplicou um inquérito às profissões judiciais (juízes/as, magistrados/as do Ministério Público e oficiais de justiça), tendo obtido 1.739 respostas válidas (15,8% de respostas, num universo de 10.978 profissionais à data de 31 de dezembro de 2020), com uma representatividade assegurada ao nível das 3 profissões, do género, das categorias profissionais e dos tribunais judiciais e administrativos e fiscais. Foram ainda, entre outras metodologias aplicadas, realizadas 90 entrevistas (17 entrevistas exploratórias e 73 entrevistas no âmbito dos estudos de caso de Coimbra e Lisboa Central).

Este estudo foi coordenado por João Paulo Dias e Conceição Gomes, tendo ainda integrado os/as investigadores/as do OPJ/CES/UC Paula Casaleiro, Filipa Queirós, Teresa Maneca Lima, Ana Paula Relvas, Luciana Sotero, Luca Verzelloni, Fernanda Jesus e Marina Henriques, numa equipa interdisciplinar que juntou sociólogos/as, juristas, psicólogas e cientistas políticos.

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