Coimbra

Estudo da UC revela novos dados para a interpretação da época pós-medieval em Portugal

Notícias de Coimbra | 3 anos atrás em 10-02-2021

Um estudo de investigadores das universidades de Coimbra e Nova de Lisboa e do Instituto Universitário Egas Moniz “fornece novas pistas para a compreensão das dinâmicas sociais e culturais da época pós-medieval em Portugal”.

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A equipa, coordenada pelos antropólogos Francisco Curate, da Universidade de Coimbra (UC), e Nathalie Antunes-Ferreira, do Instituto Universitário Egas Moniz, estudou as consequências funcionais e sociais de várias lesões esqueléticas sofridas por um indivíduo do sexo masculino encontrado numa escavação arqueológica realizada em 2018 no adro da antiga Capela do Espírito Santo de Bucelas, perto de Lisboa, refere uma nota da UC, hoje divulgada.

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Na altura, foi descoberta uma necrópole com esqueletos dos séculos XVII/XVIII, tendo sido exumados 98 adultos (59 homens, 33 mulheres e seis de sexo desconhecido) e 59 não adultos.

Um esqueleto, no entanto, chamou a atenção da equipa responsável pela escavação, por apresentar “evidências de lesões múltiplas com sequelas importantes, destacando-se de forma clara dos outros indivíduos encontrados”.

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O estudo focou-se, por isso, apenas nos restos esqueléticos deste indivíduo, que, relata a UC, foram analisados através de “uma abordagem de reincidência de lesão”, que avalia “a experiência vivida por indivíduos que sofrem múltiplos incidentes traumáticos, transmitindo uma contextualização diferenciada do sofrimento individual dentro de um reticulado de processos sociais e culturais”.

As análises permitiram concluir que aquele homem de meia-idade “sofreu traumatismos e lesões em diferentes momentos da sua vida, sendo por isso um caso de lesões recidivas que sugere diferentes interpretações”, indica Francisco Curate.

Por exemplo, detalha o investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC, “a possibilidade de este homem ter sido alvo de cuidados médicos e pessoais por parte da comunidade: a severidade das lesões, incluindo infeção pós-traumática, prejudicou seriamente a sua qualidade de vida, limitando a sua capacidade motora e tornando-o inapto para realizar uma série de tarefas, incluindo a alimentação, a higiene e o trabalho”.

Os resultados do estudo, que foi publicado no International Journal of Osteoarchaeology, sugerem, de acordo com o antropólogo, “a existência de uma associação entre a atividade ocupacional, provavelmente ligada à agricultura, e estas lesões graves e reiteradas”.

Além disso, e “no contexto da época em questão, apontam para um reticulado de fatores sociais e culturais próprios de uma sociedade onde a violência estrutural era prevalente, nomeadamente através dos acidentes de trabalho, do alcoolismo e da pauperização dos trabalhadores agrícolas”, acrescenta Francisco Curate, citado pela UC.

Numa perspetiva mais positiva, os dados obtidos “sugerem que a comunidade em que este homem vivia cuidou dele possibilitando a sua sobrevivência. No fundo, um único caso demonstra que o passado não é unidimensional, e que a história tanto se centraliza na experiência do indivíduo (e na sua agência) como na sociedade onde este viveu e morreu (e na sua coerção estrutural)”, sustenta.

Francisco Curate nota ainda que a quantidade de fraturas, a sua severidade, e a sua distribuição pelo esqueleto estudado “são ímpares, muito raras no registo arqueológico”, sugerindo, num paralelismo com casos clínicos atuais, uma ligação a trabalhos agrícolas e também adição de substâncias, nomeadamente o alcoolismo.

“Claro que são hipóteses de trabalho, não é possível reconstituir fielmente a história de vida deste indivíduo, mas são propostas lógicas e fundamentadas”, esclarece.

Os restantes indivíduos encontrados na necrópole estão a ser estudados e em breve serão também publicados.

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