O Sexo e a Cidade

DISCOTECAS E ASSIM: O REVIVALISMO DOS “LOUCOS VINTE”

O SEXO E A CIDADE - Opinião | Satírico, Sarcástico e Humorístico | 3 anos atrás em 07-10-2021

A Primeira Guerra Mundial findava. Era o ponto final num dos conflitos mais sangrentos que a Humanidade tinha vivido até então. O caos e o horror pareciam ter terminado. A confiança e o sentimento apoteótico surgiam gradualmente por todo o lado. No entanto, o ambiente festivo que se vivia foi temporariamente interrompido pela Gripe Espanhola, que colocou um travão à onda de efusividade que proliferava aqui e além. Parecia que tudo e todos caminhavam para algo próximo do fim do mundo, até ao dia em que aquela pandemia foi declarada falecida.

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Entrávamos, assim, nos anos 20, nos Loucos Anos Vinte (vulgo Roaring Twenties), e o ambiente de excessos e de deboche era notório, parecido com aquele que é vivido anualmente nos corredores da SIC num domingo de Globos de Ouro.

Os pubs e, particularmente, os cabarés enchiam-se de povo faminto de uma diversão que havia sido enjaulada nos últimos anos – tal como agora. Ao ritmo de um jazz que se entranhava na alma, do florescimento do charleston e de danças estapafúrdias que enalteciam a vontade de viver e de abusar no viver, juntavam-se e propagavam-se novas drogas, onde a cocaína fazia furor (era considerada algo natural, incapaz de prejudicar o que quer fosse). Os horrores de tempos recém-passados eram esquecidos.

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Milagres no ar surgiam. Todos estavam bem. A mulher emancipava-se, ganhava estatuto, emergia no desporto e na moda, pouco ou nada se importava com aquilo que vestia, esbracejava como nunca ao ritmo do charleston e já não tinha vergonha de se deslocar sozinha àquele beco escuro e ruim para comprar cigarros ou cigarrilhas. Era o auge de tudo e de todos! A sexualidade ganhou vida – praticamente abafada enquanto tema recorrente desde a Roma Antiga. Orgias aconteciam num sítio a combinar, tal como agora. O deboche e a curtição justificavam-se. Entre outras coisas. A glória era, enfim, uma realidade.

Se a “coisa” não sofrer alterações, o mês de Outubro funcionará com uma máquina do tempo, como se cada um de um nós fosse um pedaço de Denzel Washington em “Déjà Vu”.

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As discotecas encarnarão, todas elas, o ambiente vivido em Nova Orleães na década em causa. Sem jazz (o que é uma pena), mas, se as modas subsistirem, com muita musicalidade electrónica, funk, pagode e tudo aquilo que o DJ de serviço quiser passar para o pessoal. Porteiros e seguranças voltarão a fechar portas a quem esteja de boné na cabeça, de calças rasgadas ou de All Star brancas carregadas de barro. O habitual “sem convite, não entra” tenderá, naturalmente, a ser substituído por um “sem certificado vacinal, nada feito”.

Lá dentro: línguas invadem bocas alheias – procurando recuperar o tempo perdido -, fios de saliva surgem em formato semi-oval – sempre que os lábios de duas pessoas se afastam -, álcool e drogas regem o compasso dos movimentos na pista de dança, e o sexo fica para depois das seis ou sete da manhã, se o corpo, todavia, o permitir.

Faz tudo parte da bonança que se aproxima, depois de um temporal que nos assolou durante quase dois anos. Avizinha-se uma temporada de euforia, com povo a “dar tudo” – parafraseando aquele candidato a Oeiras que assumiu aquela dose de protagonismo efémero ao plagiar a pose galã de José Cid – em prol de meses e mais meses a não conseguir dar nada daquilo que a vida nos oferece: o convívio, a camaradagem, um excesso de quando em vez, uma boa dose de “toma toma, dá-me dá-me” e a vivência humana num sentido lato e muito romântico.

É isso! As discotecas e coisas parecidas vão reabrir! E nem os valores ditos morais de quem se galvanizava por ver os outros enclausurados de diversão e de felicidade vão impossibilitar o frenesim de uma vida nocturna que privou, durante meses a fio, um mar de gente de ganhar o seu. Adiante. Águas passadas, esperamos, né? O caminho está franqueado! O Olimpo abeira-se! Os deuses sorriem-nos! Viva a vida! Viva!

OPINIÃO DE PEDRO NUNO MARQUES

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