Desvalorização de materiais na reconstrução pode criar falsa segurança

Notícias de Coimbra | 6 anos atrás em 14-11-2017

O drama dos incêndios de outubro pode fazer com que, erradamente, na construção e reconstrução de habitações se valorizem certos materiais em prejuízos de outros, levando a situações de “falsa segurança”, alerta um investigador.

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telhado

“Tenho muito receio de que perante a situação dramática [dos incêndios de 15 e 16 de outubro deste ano] se valorizem uns materiais e se desvalorizem outros”, disse à agência Lusa Raimundo Mendes da Silva, docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e especialista em reabilitação de edifícios.

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A madeira arde, ao contrário de uma estrutura de aço ou betão, mas aquela “tem um ritmo de combustão conhecido”, permitindo, por exemplo, avaliar o tempo disponível para a evacuação de um edifício, enquanto esta, que não arde, pode, no entanto, “entrar em ruína muito rapidamente”, explicita.

É de algum modo natural que, “depois de incêndios com a intensidade destes”, haja tendência para recorrer a materiais como vigas de betão pré-esforçado, mas a opção pode representar “uma falsa segurança”, acrescenta o antigo vice-reitor da Universidade de Coimbra (UC), sustentando que é preciso “avaliar muito bem” as diferentes situações.

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Por outro lado, na reabilitação de um imóvel com estruturas em madeira, a introdução de outros materiais, designadamente de betão, pode representar a sujeição dessas estruturas a cargas para a qual não estão preparadas, “desestabilizando a coerência do edifício”, adverte.

“A construção tradicional tem regras, é preciso respeitá-las” e também “melhorá-las”, para diminuir a vulnerabilidade ao fogo, mas – salienta Raimundo Mendes da Silva – é igualmente necessário considerar outros aspetos, como consumo de energia ou acessibilidades e, simultaneamente, “preservar identidade, não só no plano arquitetónico”, mas também ao nível da “coerência do edifício”.

A coerência, a identidade, a sustentabilidade do imóvel são essenciais para responder em caso de incêndio ou de outras situações de risco e catástrofe, como os sismos, que não podem ser ignoradas, refere o investigador, sublinhando que, há, assim, “todo um conjunto de fatores alargados” que não podem deixar de ser analisados pelos técnicos.

As casas afetadas pelos incêndios de 15 e 16 de outubro têm de ser construídas ou reabilitadas rapidamente, mas preservando a sua identidade, introduzindo melhorias para resistir a catástrofes e sem prescindir do projeto (projetar – frisa – “é planear, pensar antes” de executar), insiste o coordenador do plano ‘Viseu Património’ e curador da candidatura da UC a Património Mundial (classificação atribuída pela UNESCO em 2013).

Os edifícios de construção mais recente e implantados em meio urbano têm, à partida, “um comportamento mais adequado a situações de fogo” (e outro tipo de catástrofes), mas as condições que concorrem para que assim seja também podem, de um modo geral, ser introduzidas em imóveis mais antigos e/ou com outras localizações.

Existem, além destas, outras precauções a adotar fora dos meios urbanos, no sentido de “diminuir a probabilidade de deflagração e de propagação do fogo”, designadamente através da limpeza da área envolvente do imóvel, da disponibilização de água ou da melhoria da capacidade de evacuação do edifício e da intervenção dos bombeiros, afirma ainda à agência Lusa o engenheiro civil.

As populações têm ainda um papel complementar, como, de resto, estes incêndios demonstraram (sem a sua intervenção, eles teriam tido consequências “ainda piores”), mas as suas “capacidade e conhecimento para se organizarem melhor” podem aumentar, acredita Raimundo Mendes da Silva.

Iniciativas como ‘A terra treme’ (promovida pela Proteção Civil, para “alertar e sensibilizar a população sobre como agir antes, durante e depois da ocorrência de um sismo”) devem ser igualmente promovidas em relação aos fogos, advoga.

“Tem de se construir ou reconstruir [as habitações afetadas pelos incêndios de outubro] com pragmatismo, bem e depressa”, mas, apela o docente da UC, “numa perspetiva de durabilidade, de resistência, a situações de catástrofe”.

“A sustentabilidade da reabilitação passa por construir ou reconstruir melhor”, apostando no conhecimento e na tecnologia, respeitando a “coerência do edifício”, a “identidade das pessoas e das comunidades” e, “sempre que possível, integrando as comunidades nesse processo”, sintetiza Raimundo Mendes da Silva.

Impõe-se “trabalhar com pragmatismo na reconstrução”, mas tendo sempre presente que “cada caso é um caso”, que deve ser entendido de forma particular e com recurso ao “conhecimento universal”, conclui.

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