Portugal

Derrocada ainda é “ferida” na paisagem e nas pessoas de Borba 

Notícias de Coimbra | 4 anos atrás em 17-11-2019
 

A encosta de terra vermelha e barrenta onde, há um ano, ruiu parte da estrada 255 e morreram cinco pessoas contrasta com o mármore branco das pedreiras de Borba (Évora) e parece uma “ferida” a “sangrar” na paisagem.

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Para quem vem de Borba, como de Vila Viçosa, o trânsito mantém-se cortado na Estrada Municipal (EM) 255 e sinais indicam o perigo de derrocada e pedreiras em funcionamento. Perto do troço que ruiu, três grandes blocos de mármore, gradeamentos e barreiras plásticas vermelhas e brancas impedem a passagem.

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À beira das pedreiras alvo da derrocada, forradas a mármore, impressiona a sua profundidade. As máquinas estão paradas, os bandos de pombos são os únicos a dar “vida” ao lugar e, onde existia a estrada, “salta à vista” o vermelho da terra, que cobre rochas, “escorre” até ao fundo e “mancha” parte do mármore branco.

O alerta para a tragédia chegou às autoridades por volta das 15:45 de 19 de novembro de 2018. Quem trabalha na zona, como o empresário do setor Luís Sotto-Mayor, ouviu diretamente o “estrondo enorme”.

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“Estava no escritório, ouvimos o barulho, depois a luz acabou, vimos ali uma grande poeirada e disse: não me digam que foi a estrada. E fomos lá ver”, evoca à agência Lusa.

A poucos dias de se cumprir um ano sobre a derrocada do troço da estrada entre Borba e Vila Viçosa, devido ao deslizamento de um grande volume de rochas, blocos de mármore e terra para o interior das pedreiras, as “feridas” ainda lá estão. Na paisagem, porque a rodovia continua cortada, e nas pessoas.

“Isso é uma marca que fica, mas pronto, temos que ir sobrevivendo”, admite o administrador das empresas de mármore Margrimar (transformação), na estrada do lado de Borba, e Marmetal (extração), junto da interrupção da via, mas do lado de Vila Viçosa: “Era uma estrada que tinha algum movimento. Agora vêm cá só mais quase de propósito”.

Um dos automobilistas que circulava na EM255 quando esta ruiu, mas não foi apanhado pelo acidente, é Luís Aurélio, canteiro de 51 anos. Ia de Vila Viçosa a Borba e tudo lhe pareceu “surreal”.

“Mais ou menos em frente à Marmetal comecei a ficar assustado porque deixei de ver a estrada e vi os cabos [elétricos] no chão e foi a sorte. Entretanto, houve um senhor que me ultrapassou e esse é que ficou mesmo ali, a dois metros do precipício”, conta.

Tudo aconteceu “em segundos” e, de repente “vejo uma pedreira e não vejo a estrada”, sublinha, reforçando que ainda pensou que “estava a alucinar”.

Mas não demorou muito a decidir: “Parei, fui ter com o outro senhor, vi que aquilo tinha caído, que devia haver ali uma desgraça grande e, assim que pude, não caísse ainda mais um bocado da estrada, voltei a carrinha e fui-me embora”.

O acidente “marcou Vila Viçosa”, concelho onde residiam quatro das cinco vítimas – uma morava em Alandroal – e “marca Borba”, até porque os empresários têm negócios em ambos os municípios.

Quem circula pelas estradas da zona, muitas delas ladeadas, tal como a EM255, por empresas de extração ou transformação de mármore, continua a ser recordado da derrocada, até por causa dos semáforos para a circulação alternada do trânsito colocados em duas estradas nacionais, devido à proximidade de pedreiras.

“A ‘ferida’ está sempre aí. Basta terem cortado a estrada para Pardais e para Bencatel” e os semáforos estarem lá “há um ano” para “a ferida estar sempre aberta, nunca a sararam”, critica Luís, defendendo que essas duas pedreiras deviam ser aterradas.

A tragédia não pode ser apagada e “ficará sempre” marcada na terra, mas o presidente da Câmara de Borba, António Anselmo, admite que, “depois de casa roubada, trancas na porta”. Logo a seguir, o Ministério do Ambiente fez o levantamento das pedreiras em risco.

“E ficámos pasmados, aliás, com os números que vimos, não só no Alentejo, como em todo o país”, diz, indicando que foi feita “a sinalização dos caminhos e pedreiras em risco e, neste momento”, é o que as autarquias estão “a fazer em Borba, Estremoz e Vila Viçosa”.

Para o autarca, “determinadas coisas deviam evitar-se” com “fiscalização” e “conhecimento”, mas “foi preciso a tragédia e morrerem cinco pessoas para se desencadear um processo que deveria ter sido feito há muito tempo”.

Em relação aos perigos da EM255, que os empresários do setor alegam que, há anos, tinham invocado, o autarca reitera que não cortou a estrada porque “não tinha a informação correta e por escrito”.

A EM255 “era transitada por todos nós para as deslocações que fazíamos para Vila Viçosa e vice-versa”, afirma o comandante dos Bombeiros Voluntários de Borba, Joaquim Branco, frisando que a busca e resgate dos corpos das vítimas após a derrocada envolveu aquela que é “considerada até à data a maior operação de Proteção Civil do país”, pela “sua complexidade”.

Desejando que “nunca mais uma situação destas ocorra”, o comandante disse julgar que as autoridades ficaram “mais despertas” para fiscalizarem estradas junto a pedreiras.

Em Borba e Vila Viçosa é que, apesar de, há mais de 15 anos, existir uma alternativa à EM255 na zona dos mármores, a variante que liga à A6, os habitantes defendem a reposição da via que ruiu ou a construção de outra estrada mais direta entre as duas terras.

“Aquela estrada é essencial. Vila Viçosa está a morrer e Borba é igual. Isto tinha movimento entre as duas terras e, neste momento, não, começa-se a perder negócios”, avisa Luís Aurélio, enquanto o autarca de Borba admite que está a ser pensada uma solução, que pode passar pela construção de uma estrada ou de um passadiço para circulação de pessoas e de bicicletas: “Aquilo não pode ficar ali para o resto da vida”.

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