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Conimbricense Manuel Pureza encena expressões da escravatura na peça para o Teatro da Trindade

Notícias de Coimbra | 4 anos atrás em 24-11-2019

“Inimigos da Liberdade – Peça para três escravos”, que o realizador Manuel Pureza estreia na quarta-feira, no Teatro da Trindade, em Lisboa, tem “a ver com aquele princípio” de felicidade, de esta não ser um projeto, afirmou.

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A felicidade teria de ser agora, segundo o encenador, reconhecendo que “Inimigos da Liberdade” diz também respeito a uma geração que trabalha há 20 anos, doze horas por dia, a ganhar pouco mais do que o ordenado mínimo, sem relação com as suas qualificações. Gente que tem medo de que venham outros substitui-los, que não tem tempo para si própria.

A peça reúne três atores em palco, que empurram uma pedra, agrilhoados, perdidos num deserto, até ao momento em que não conseguem prosseguir a sua missão sem sentido, e se sentem perdidos.

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“É uma tristeza, mas é uma verdade”, lamentou Manuel Pureza, afirmando que José Mário Branco o músico e o compositor que morreu na semana passada, e cujo funeral se realizou na quarta-feira, foi a “única pessoa que tinha convidado para ver” a obra.

E fê-lo, porque “Inimigos da Liberdade” tem “a ver com aquele princípio que José Mário Branco tem, e diz de uma maneira muito bonita: ‘A felicidade não é um projeto’”.

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“[A felicidade] é agora! Ou é agora, ou esta ideia de ter de cumprir mais, [ter mais] para ser feliz, é assustadora”, frisou o dramaturgo e encenador, estabelecendo paralelo com as personagens, que “não sabem para onde vão”.

“Estes tipos não sabem para onde vão. Têm saudades de uma coisa de que não se lembram”, frisou, sustentando tratar-se de um problema que sente ser também o da sua geração.

Manuel Pureza nasceu em Coimbra, em 1984.

“A minha geração, das duas uma: ou é completamente desprendida, e parece que não tem futuro, só quer ‘agora, agora, agora’, ou tem saudades de uma coisa que nem sequer se passou com ela”, disse, aludindo às “saudades do futuro”, “frase bonita, de poetas urbanos seus amigos”, conceito que também está presente em álbuns, canções e filmes, como o documentário do brasileiro Cesar Paes, sobre migrantes nordestinos em São Paulo.

A geração de Manuel Pureza não passou por determinados acontecimentos apesar de ter memórias deles. Como do 25 de Abril de 1974, lembrou. “Nós somos herdeiros. E é uma tristeza sermos herdeiros”, sublinhou.

Apesar de todos os anos descer a avenida da Liberdade, em Lisboa, no dia 25 de Abril, e de levar o filho às cavalitas desde que este tinha quatro anos, Manuel Pureza admitiu que a peça reflete o facto de “se sentir um bocadinho órfão”, apesar de ter o seu grupo de amigos e os seus projetos.

Mas “há um sentido de comunidade que se perdeu” e “o legado da liberdade é uma coisa que está ameaçada todos os dias, e eu e o meu grupo, que tem agora 30, 40 anos (e no qual há muita gente a fazer muita coisa)… mas [é um grupo que] herda, e é triste. Acho isto ‘super triste’. E sinto-me também culpado”, concluiu.

“Apesar deste quadro ser assim negro, aponto sempre uma lanterna”.

“A falta de tempo de ócio, de demorar tempo a aprender, dar tempo para que as coisas amadureçam” faz dos homens atuais “escravos”, e é esse tema que está “sempre presente” na peça.

Interpretada por João Craveiro, Cristóvão Campos e João Vicente”, “Inimigos da Liberdade – Peça para três escravos” vai estar em cena a partir de quarta-feira, 27 de novembro, até 29 de dezembro, com espetáculos de quarta-feira a domingo, às 19:00.

No dia da estreia será lançado o livro com o texto do autor que, contudo, já não corresponde à versão cénica, limpa de “muitas redundâncias”, confessou Manuel Pureza. Já “não é o que está escrito, mas o que acontece em cena”, frisou.

Em cena está também uma geração que trabalha há 20 anos, doze horas por dia, a ganhar o ordenado mínimo, ou pouco mais, 700, 800 euros… Gente que tem medo de que venham outros substitui-los, gente de que não se exclui, que não tem tempo para si própria, “o que é ridículo e não faz sentido em pleno século XXI”, enfatizou.

“Uma pessoa não pode fazer isso. Porque senão não é trabalho, é obrigação”, disse.

Satisfeito com o que está a fazer e com o facto de ter tempo – para si, para o filho e para passear o cão –, Manuel Pureza admitiu que tal como não realizou ainda o filme que gostava de ter feito, também esta não é uma experiência que o deixe plenamente satisfeito.

E se admite que “gostava de ter sido ator” – chegou a participar numa peça como ator e viu “o que não devia fazer” –, admite também “que gosta mais de mandar”, e também gostava de encenar Ibsen.

Nascido em Coimbra, em março de 1984, Manuel Pureza tem dirigido produções televisivas, incluindo de telenovelas e a série “Linhas de Sangue”, que realizou com Sérgio Graciano.

Dirigiu filmes como “A Bruxa de Arroios”, com que venceu a edição de 2012 do MOTELX

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