“Somos beirões, desde que nascemos que é uma luta”

Notícias de Coimbra | 7 anos atrás em 20-10-2017

Natália e o marido viram o seu projeto de vida destruído. Abel ficou “sem nadinha”. No entanto, há quem em Tábua já procure arregaçar as mangas e dar a volta numa terra onde a vida é sempre “uma luta”.

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José Luís Saraiva, de 61 anos, vai empilhando ramas de uma árvore que podia ruir em Midões, no concelho de Tábua, para dar aos pastores que ficaram sem pasto – “a outros, nem animais restaram”, diz.

Assim que começa a falar de domingo, dia em que as chamas deixaram duas famílias desalojadas e destruíram uma capela e um jardim-de-infância em Midões, José começa a chorar.

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De voz embargada e olhos marejados, sublinha que em Midões a população combateu tudo sozinha, aquilo que era possível combater.

“Isto nunca foi visto. Não tem explicação”, resume, de olhar soturno.

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E o futuro? Aí, José Luís não hesita na resposta: “Somos beirões. Desde que nascemos que é uma luta. Estamos habituados à adversidade e temos que lutar. Não há outra hipótese”.

Para Natália Soares e o seu marido, que moram à beira de Midões, ainda não é possível encarar o futuro.

As 180 ovelhas que tinham arderam, assim como alfaias agrícolas e máquina de ordenha, que tinham acabado de comprar há cerca de um mês.

“Era o nosso projeto de vida e não temos seguro de lá”, conta.

O marido e o seu filho ainda tentaram salvar as ovelhas, mas quando chegaram ao pavilhão já as chamas cercavam o espaço e só houve tempo de voltar a casa, pegar na família toda e fugir para o centro de Midões.

O prejuízo será de cerca de 200 mil euros e, sem ajuda do Estado, não sabem como recomeçar um projeto para o qual lutaram a vida toda.

“Foram 20 anos de trabalho, em que não tivemos férias. Era a vida do poupar e foi tudo – um projeto de vida em cinzas”, realça Natália, de 44 anos, que vai mostrando as fotografias das ovelhas carbonizadas.

Só agora a família começa a cair na realidade, nota, referindo que durante a noite os filhos ainda gritam a sonhar com o incêndio.

“As ovelhas foram criadas desde pequenas. Iam todas começar a parir”, realça, sublinhando o carinho com que o marido, Paulo, as tratava.

O gado era como se “fossem filhos. Até ficava a vê-las a comer e até tinha rádio para as ovelhas estarem mais relaxadas, a ouvir música, enquanto tirava o leite”, frisou.

Com tudo derretido e desfeito, querem agora saber se terão ajuda para levantar a cabeça, que de outra forma será difícil erguerem-se do chão.

Na pequena localidade do Vasco, próxima de Midões, Abel Borges mostra à agência Lusa as queimaduras que o fogo lhe deixou nos braços e nas pernas.

Ficou coxo por causa de um corte no pé, quando procurava apagar as chamas, que foram demasiado fortes para salvar o pouco que tinha.

À conversa com a Lusa, vai enumerando tudo o que perdeu para as chamas. “Batatas, motor de cura, motor de rega, 20 pintos e dez galinhas, a chiba [cabra]”, conta, num discurso que termina a chorar.

“Fiquei sem nadinha. Andámos a trabalhar no verão para comer no inverno, como a formiga, e nada”, conta.

Restam umas couves e uns nabos que escaparam ao fogo.

“É a vida”, desabafa Abel, resignado, mas com vontade de arregaçar as mangas: “Tem que se olhar para a frente. Estamos cá. Ficámos sem nada, mas estamos cá”.

 

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