Universidade

Alegado plágio em Medicina: agastado, Joaquim Murta “bate com a porta

Notícias de Coimbra | 3 anos atrás em 25-05-2021

 Agastado com uma insinuação de plágio a macular um doutoramento na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, o catedrático Joaquim Murta vai renunciar à coordenação do Grupo de Ensino de Cirurgia e Especialidades Cirúrgicas.

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A revelação, a que Notícias de Coimbra teve acesso, ocorreu por ocasião da aprovação da acta da reunião da Comissão Coordenadora do Conselho Científico (CC) da FMUC realizada a 31 de Março.

O oftalmologista deixou clara, em declaração de voto, a sua estranheza por o seu colega José António Pereira Silva ter comunicado haver recebido de outro catedrático, António Carlos Miguéis, uma denúncia de plágio da tese de doutoramento de um professor auxiliar convidado.

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Noutra declaração de voto, a catedrática Eunice Carrilho reiterou que Pereira Silva referiu ter recebido de Miguéis um documento que alegadamente comprova/denuncia  a existência de plágio.

O episódio não é alheio à correlação de forças entre ‘dinastias’ de famílias no seio da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

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Quando cerca de dezena e meia de catedráticos votavam a atribuição da regência da cadeira de otorrinolaringologia – confiada, hoje em dia, a António Carlos Miguéis –, o catedrático José António Pereira Silva remeteu para hipotético cometimento de plágio por parte do sobredito professor auxiliar (sem assento na reunião).

Independentemente de alguns docentes terem ficado boquiabertos, o acto de optar entre António Miguéis (filho de um falecido catedrático) e o candidato de alternativa fez com que a regência da cadeira voltasse a ser atribuída ao professor veterano.

O docente preterido vai apresentar queixa-crime contra Pereira Silva por alegada difamação.

Neste contexto, Carlos Robalo Cordeiro (director da FMUC), Pereira Silva, António Carlos Miguéis e o sobredito professor auxiliar convidado não quiseram prestar declarações.

José António Pereira Silva limitou-se a indicar, via correio eletrónico, só estar “disposto a abordar o assunto” se isso ocorresse na presença da “fonte de informação” do jornalista.

A par de outras questões pertinentes, o redactor perguntou ao catedrático – opositor à eleição, em 2019, de Carlos Robalo Cordeiro para director da FMUC – “por que se conformou com a opção no sentido de o assunto ir a votação em vez de ser desencadeado um procedimento destinado a averiguar o alcance da denúncia”.

Segredo profissional sujeito a protecção

“As fontes não se revelam quando facultam informação [de interesse público] sob confidencialidade”, assinalou o jornalista. “Se a sua fonte é cobarde, compreendo que o Sr. proteja as suas fontes cobardes (…), eu protejo a minha opinião; não alimento o momento de glória de cobardes”, replicou Pereira Silva, sem negar ter lançado uma suspeita de plágio.

O Secretariado do CC da FMUC respondeu que “o caráter reservado dos assuntos abordados” nas sessões “tem de ser escrupulosamente respeitado por todos os presentes nas reuniões”.

Instado a identificar a(s) fonte(s), o jornalista fez saber que não acata “o apelo” para tal revelação e também fez notar que, entre as suas fontes, há, “pelo menos, três pessoas que, não sendo membros do CC da FMUC, sabem o que se passou” na reunião do órgão efectuada a 31 de Março.

Dois ex-diretores da FMUC, Joaquim Murta e Duarte Nuno Vieira, que têm assento no CC e foram membros do júri constituído para examinar a tese da autoria do referido professor auxiliar convidado, também declinaram prestar declarações.

A avaliar pela acta da referida reunião da Comissão Coordenadora do CC da FMUC, Joaquim Murta fez notar que, há cinco anos, António Carlos só ficou com a regência na medida em que o processo de contratação do sobredito professor auxiliar não foi despachado em devido tempo.

Na linha de argumentação do oftalmologista, interveio, também, o catedrático Américo Figueiredo (ex-subdirector da FMUC).

Outro membro do júri a que foi submetida a tese posta, agora, sob suspeita, Óscar Dias, professor universitário e médico no Hospital de Santa Maria (Lisboa), expressou perplexidade perante a insinuação feita recair sobre a dissertação.

Neste contexto, o otorrinolaringologista traçou um paralelismo com um caso que remonta ao início do século XXI, inerente a outra suspeita de plágio abrangendo um doutorando da Universidade de Agostinho Neto (Luanda) e médicos portugueses (membros do júri).

Miguéis censurado “com veemência”

De acordo com uma edição do Diário de Notícias, datada de Agosto de 2003, um “grupo de especialistas portugueses”, entre eles António Carlos Miguéis, entendeu assinar uma credencial e enviou Pais Clemente a Angola para averiguar o caso.

Segundo o DN, face a “rumores de que teria sido proposta uma dissertação de doutoramento a um candidato natural de Angola, a exercer Medicina em Portugal há vários anos”, e “de acordo com algumas informações não suficientemente esclarecedoras de que a referida tese foi considerada um plágio de outra apresentada”, o grupo decidiu investigar o caso por conta própria.

“Cremos que o problema é académico”, concluiu o Conselho Disciplinar Regional do Centro da Ordem dos Médicos (OM), num relatório, datado de Janeiro de 2005, citado pelo Correio da Manhã, alusivo ao desempenho de um dos jurados, Diogo de Paiva.

A 23 de Junho de 2003, a Comissão Coordenadora do CC da FMUC censurou “com veemência” António Carlos, alegando aquele órgão que Miguéis foi protagonista de “intolerável intromissão em acto exclusivamente académico” da competência da Universidade de Luanda.

Em Maio de 2004, Diogo de Paiva – visando, por exemplo, Miguéis – questionou a Ordem se “todos os envolvidos” no caso do médico angolano estariam “a respeitar os deveres constantes dos artigos 105º. e 107º. do Conselho Disciplinar” da OM. 

Para o outrora vice-reitor da Universidade de Coimbra Avelãs Nunes, o gesto do denunciante inscreve-se “à margem da lei” e, “pior do que isso, viola os mais elementares princípios da ética universitária”.

De acordo com o catedrático Castro e Sousa (já falecido), a Comissão Coordenadora do CC da FMUC deliberou, por unanimidade, em 2003, “renovar a confiança” depositada em Diogo de Paiva dos pontos de vista ético, académico e científico.

“Só à UC e aos seus órgãos reconheço legitimidade para (…) pugnar pela ética e legalidade dos actos académicos” em que Diogo de Paiva interveio, advertiu Castro e Sousa.

Em entrevista concedida ao semanário Sol, em Agosto de 2016, o catedrático jubilado Jorge Calado (Lisboa) alegou que muitos professores universitários são seleccionados com base no critério de não fazerem sombra aos que já lá estão.

Segundo a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, em documento redigido há cinco anos, em termos de resultados institucionais, a Universidade de Coimbra é entre as congéneres portuguesas a que possui “indicadores mais elevados de imobilidade académica, tendo 80% dos seus docentes de carreira efectuado o doutoramento na própria instituição”.

Há dois anos, a então Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra (AAC) fez a apologia do “combate à endogamia universitária” e da “promoção da integração de docentes e investigadores com base na sua competência pedagógica e científica”.

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